O Luto na Expatriação: Ressignificando Perdas e Reconstruindo Pertencimento
Migrar para um novo país é uma jornada emocionante e desafiadora, repleta de oportunidades de crescimento pessoal e profissional. No entanto, por trás da empolgação e da busca por novas experiências, muitas vezes há um processo silencioso de luto que acompanha os expatriados. A decisão de deixar para trás o familiar e adentrar o desconhecido traz consigo uma série de perdas e rupturas que podem afetar profundamente o indivíduo.
De acordo com os estudos de Della Pasqua e Dal Molin (2009), o processo migratório pode desencadear sete tipos diferentes de luto, cada um relacionado a uma dimensão específica da vida do expatriado. Estes incluem o luto pela família e entes queridos deixados para trás, a perda da língua materna, a adaptação a uma nova cultura, o distanciamento da terra natal, a reconfiguração do status social, a separação do grupo de pertencimento e a preocupação com a integridade física.
Ao decidir embarcar nessa jornada, os expatriados se veem obrigados a romper com vínculos profundos, como o familiar e o de pertencimento. O sentimento de comunidade, conforme descrito por Métreaux (2011), é essencial para a construção da identidade, e migrar implica em deixar para trás essa sensação de pertencimento compartilhado. A adaptação a um novo país também implica na perda da língua materna como principal forma de comunicação. Aprender um novo idioma não é apenas uma questão de gramática, mas também de assimilar novos valores e ideias que dão significado àquela língua. A barreira linguística pode levar a sentimentos de isolamento e dificuldades de integração, afetando a saúde mental dos expatriados.
Outra perda significativa na expatriação é a do status social e profissional. A validação de diplomas e a busca por reconhecimento profissional em um novo país são desafios comuns enfrentados por muitos migrantes. A frustração e a sensação de fracasso podem surgir quando as expectativas não correspondem à realidade e os expatriados são forçados a se submeter a trabalhos diferentes de suas áreas de expertise.
Além das perdas evidentes, como a separação física de entes queridos e a adaptação a uma nova cultura, o luto na expatriação também pode ser experimentado em despedidas. A preocupação excessiva com a possibilidade de perder alguém querido no país de origem, a culpa por não estar presente nos momentos importantes e a sensação de vazio por não poder se despedir adequadamente podem contribuir para o processo de luto do expatriado.
Como expatriado, é difícil expressar a montanha-russa emocional que experimentamos diariamente, especialmente quando se trata da preocupação incessante de perder entes queridos em nosso país de origem. Esses pensamentos assombram nossas mentes, transformando-se em um tipo de luto antecipatório, onde nos encontramos planejando mentalmente como lidaremos se algo acontecer. É uma ansiedade constante, um peso que carregamos em nossos ombros, sabendo que estamos longe demais para estar lá quando mais precisam de nós.
A culpa é uma sombra constante em nossa jornada como expatriados. Carregamos o peso da ausência, a sensação de que estamos falhando em nossas responsabilidades filiais ou parentais por não estarmos presentes nos momentos importantes. A cada aniversário perdido, a cada celebração que assistimos através de uma tela de vídeo, a culpa se intensifica, como se estivéssemos cometendo uma traição silenciosa àqueles que amamos.
E quando a notícia de uma perda chega, seja esperada ou não, a culpa atinge proporções devastadoras. Questionamos todas as nossas escolhas, nos culpamos por não termos estado lá, por não termos dado o último abraço, por não termos dito as palavras finais que tanto desejávamos expressar. A dor da perda é agravada pelo fato de não termos tido a chance de nos despedir adequadamente, deixando um vazio doloroso em nossos corações.
Para muitos de nós, esses sentimentos são como uma ferida aberta, sempre presente, sempre dolorosa. Nos perguntamos se valeu a pena sacrificar nossa proximidade com a família em busca de nossos sonhos e aspirações. Nos questionamos se fizemos a escolha certa ao optar por uma vida longe daqueles que amamos. E, no entanto, mesmo com todas essas dúvidas e angústias, continuamos nossa jornada, tentando encontrar sentido e propósito em meio ao turbilhão de emoções.
É importante que aqueles que nunca experimentaram o que é ser um expatriado entendam a complexidade desses sentimentos. Nossa dor não é apenas pela perda física de entes queridos, mas também pela perda de momentos preciosos que nunca poderemos recuperar. Nossa culpa não é apenas pela ausência física, mas também pela sensação de não termos feito o suficiente, não termos sido suficientes.
Diante de todos esses desafios emocionais, é fundamental reconhecer a importância de buscar apoio profissional para lidar com o luto na expatriação. Um acompanhamento com um profissional que compreenda o processo migratório e, preferencialmente, fale o mesmo idioma do expatriado, pode oferecer inúmeras vantagens.
Estudos como os de Bernardes et al. (2018) destacam que o suporte psicológico especializado pode auxiliar os expatriados a enfrentarem os desafios emocionais da adaptação e a lidarem de forma mais saudável com as perdas e rupturas inerentes ao processo migratório. Além disso, ter um profissional que fale o mesmo idioma do paciente facilita a comunicação e a compreensão mútua, promovendo um ambiente mais acolhedor e eficaz.
Em meio a todas essas perdas e desafios, é fundamental encontrar maneiras saudáveis de lidar com o luto na expatriação. Aqui estão algumas dicas para enfrentar esse processo:
Aceitação: Reconheça e aceite seus sentimentos de perda e saudade. Permita-se vivenciar o luto como parte natural do processo de adaptação.
Conexão: Busque apoio emocional em grupos de expatriados, comunidades locais e redes de apoio. Compartilhar experiências com pessoas que passam por situações similares pode ajudar a sentir-se menos isolado.
Auto-cuidado: Priorize o seu bem-estar físico e mental. Mantenha hábitos saudáveis, pratique atividades que lhe tragam prazer e reserve tempo para relaxar e recarregar as energias.
Aprendizado: Encare os desafios como oportunidades de crescimento pessoal. Esteja aberto a aprender com as experiências e a se adaptar às mudanças.
Ressignificação: Busque encontrar um equilíbrio entre suas próprias tradições e valores e os da cultura local. Explore novas formas de identidade e pertencimento que integrem aspectos de sua própria história e da cultura do país anfitrião.
Em suma, o luto na expatriação é um processo complexo e desafiador, que envolve a vivência de diversas perdas e a necessidade de reconstruir o sentido de identidade e pertencimento em um novo contexto cultural. Buscar apoio profissional e cuidar da saúde emocional são passos essenciais para enfrentar esse desafio com resiliência e encontrar um novo equilíbrio emocional em meio às mudanças e incertezas da vida expatriada.
Shirley Moreira
Psicoterapeuta & Life Coach
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